domingo, março 26, 2006

Já não sei o que dizer. A amargura apanhou-me as mãos em água e em vida. As mãos vão contra os olhos. Mexem. Mentem sempre. Quando me sentam na mesma mesa onde estivémos sentados, parto a loiça toda e como e bebo pelos dois. Deve ser esta a minha timidez e esta a minha cobardia, que só quando estou longe me vem o coração às mãos e tenho vontade de to oferecer, sem medo que o possas aceitar, tal era o mal que te fazia. Nunca vi um céu tão bonito nem tanto sossego, enquanto acabo o meu café no meio da cidade quase vazia, a não correr para apanhar o correio que já sei que não vou apanhar, sem saber que mais dizer-te, porque a minha alma está sempre a interromper-te, a chamar por ti. Quanto mais longe, mais perto me sinto de ti, como se os teus passos estivessem aqui ao pé de mim e eu pudesse seguir-te e falar-te e dizer-te quanto te amo e como te procuro, no meio duma destas ruas em que te vejo, zangado de saudade, no céu claro, no dia frio. Devolve-me a minha vida e o meu tempo. Diz qualquer coisa a este coração palerma que não sabe nada de nada, que julga que andas aqui perto e chama sem parar por ti.

Miguel Esteves Cardoso in O amor é fodido