segunda-feira, outubro 02, 2006

sossego

deixo-me levar pelas escadas rolantes como deixo a vida trazer-me o vento para me acariciar a face. como deixo a vida mostrar-me tudo sobre ela. nesta estação de comboio, tenho uma bonita vista sobre a cidade. um véu cor-de-rosa cobre-a, pousado sobre o telhado das casas; as cores parecem querer falar connosco. como nos quadros. a alguns soa um doce “até amanhã” e a outros um “pronto, já passou”. porque há dias que correm melhores a uns que outros. mas estas cores confortam da mesma maneira. deve ser a forma de Deus compensar-nos a todos por igual. se é que ele existe.
sinto a brisa quente como um abraço. a minha blusa parece querer voar com o vento, que sopra muito levemente, mas o suficiente para deixar uns milímetros da minha pele visível. faz-me lembrar as tuas mãos.
quando tenho saudades tuas, o vento parece-me acalmar-mas por dentro e elas nunca são exageradas. às vezes ele arrepia-me, como só tu conseguias fazer. e eu chego a pensar que também estás no vento.
desperto com a voz a anunciar o meu comboio. lembro-me de como antes saltava do banco e sentia aquele friozinho na barriga sempre que ia ter contigo; não foi só nos primeiros dias. foi sempre. agora não tenho o sorriso sempre colado no rosto, há muito tempo que não sinto dores de barriga, e até a voz da senhora que anuncia os comboios me parece mais triste.

não é que tudo o que existe em mim e à minha volta tenha morrido contigo. não é que eu me deixe morrer mais depressa para ir ao teu encontro. já não. é que ainda estou a descobrir o mundo. e dói-me, que agora o tenha de descobrir sem ti. dói-me que agora me pareça tudo menos doce. e este ardor que sinto no peito que não desaparece… nem com estes fins de tarde que antes me sossegavam tão bem.