sábado, janeiro 21, 2006

No dia que fugimos tu não estavas em casa.

E eu?
Eu senti-me sozinho, abandonado, por não perceber porque faltaste, tínhamos tudo combinado, e passou-te ao lado, fiquei horas sentado à tua espera, pareciam anos, uma eternidade, senti-me pequeno, até mesmo inútil neste mundo, estava calmo a ver as horas passar a olhar para o relógio com vontade que andasse para trás e que parasse naquelas horas, naqueles momentos, naqueles precisos segundos em que fomos felizes, mas não, ele só andava para a frente, com isto já deviam ser umas nove da noite, e tu ainda não tinhas chegado, eu estava certo que não ías voltar atrás, não te ias arrepender de teres escolhido não fugir, não agora, talvez nunca tivesses mesmo chegado a ter vontade de o fazer, e eu confuso e perdido em sentimentos meus, pensei que sim, mas pode ser que não, pode ser que ainda venhas, era tudo o que queria, mas não vou ficar aqui sentado neste cantinho da casa com as costas coladas à parede e os braços envolvidos por entre as pernas, eternamente à espera, não posso, por mais que queira, não me vou iludir, porque eu sei, eu sei o que tu sentes, tudo ficou claro agora e entendo e estou feliz porque sei que vais ser muito e tomaste a decisão certa, a de não fugir, comigo.
Passaram-se anos, eu cresci, tu cresceste, nós crescemos, eu continuei a ser só eu, e tu continuaste a ser só tu, ambos diferentes, mais adultos talvez, ou não, mas diferentes, diferentes um com o outro e diferentes com todos, e porquê? Porque eu sempre me vou lembrar que me deixaste sozinho à tua espera naquele cantinho da casa, naquela eterna espera, se calhar esperei só mesmo porque te queria ouvir dizer «Não quero fugir.», queria ouvir isso de ti para acreditar, mas tive que perceber sozinho naquela eterna espera, e tu? Tu sempre te vais culpar por não me teres dito isso, não me teres dito logo nada de concreto, vais-te culpar por ter ficado na dúvida, deve ser por isso que estamos diferentes um com o outro, mais distantes, ou talvez «distantes» não seja o termo, mas tenho pena, pena porque as coisas podiam ter sido diferentes, podiamos ter fugido ou simplesmente nunca ter combinado fugir.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Orgulho.

«Ao regar a flor pela última vez e ao preparar-se para a cobrir com a redoma, reparou que tinha vontade de chorar.
- Adeus - disse à flor.
Ela não respondeu.
- Adeus - repetiu.
A flor tossiu. Mas não por causa da constipação.
- Fui tola - disse, por fim. -Perdoa-me. Trata de ser feliz.
Surpreendeu-o a ausência de censuras. Deteve-se, muito perturbado, com a redoma na mão. Não compreendia aquela afabilidade calma.
- Sabes, eu amo-te - disse a flor. - Nunca to disse, a culpa é minha. Não faz mal.Mas foste tão tolo como eu. Trata de ser feliz... Deixa aí a redoma. Já não a quero.
- Mas o vento...
- Não estou tão constipada... O ar fresco da noite até me vai fazer bem. Sou uma flor.
- Mas os bichos...
- Terei de suportar duas ou três lagartas, se quiser saber como são as borboletas. Dizem que são muito lindas! Se não, quem virá visitar-me? Tu, tu estarás longe. Quanto aos bichos grandes, não tenho medo nenhum. Tenho as minhas garras.
E mostrou, ingenuamente, os quatro espinhos. Depois prosseguiu:
- Não estejas com delongas, é irritante. Decidiste partir. Vai-te embora.

Porque não queria que ele a visse chorar. Era uma flor muitíssimo orgulhosa...»

O Principezinho, Saint-Exupéry