quarta-feira, março 29, 2006

(en)laço

«Por dentro dos dias assim, respirados através de ti, filtrados pelo teu corpo, olhando-te profunda e avassaladoramente - mesmo quando não o sabes -, há metal fundente. o mesmo metal fundente que existe entre nós - que me queima a pele. o fogo que me mutila a vontade de te ter.

(...)

Nesse desejo de espelhos reflexos de nós, nesse magma incandescente, derreto eu. E escorro por ti, sem nome e sem tempo, sem corpo e sem carne - dado a ti, totalmente dado a ti. Sem me abandonar - ou abandonando-me, sim, mas sem medo. E de repente ser nada, deixar de ser para ser contigo - e isto ser igualmente brutal e belo. E dessa queda, dessa fuga, deste corpo dado a ti, faço-me teu - pertenço-te. E nada me toca, nada me prende, nada me assusta - senão esmagar-te contra mim e não conseguires respirar. Senão asfixiar-te ou rasgar-te as asas. E, às vezes, o lume que me acende e dilacera faz-me pensar e temer não ser ar para ti.

(...)

Não cabe em mim o que sinto - transborda. E nem sempre corre bem. Podia gostar-te menos, gostar-te da maneira controlada e racional com que sempre gostei das pessoas que fiz minhas. Mas já não consigo controlar - já não consigo mutilar o que sinto por ti e circunscrevê-lo num espaço restrito. Porque não se amarra um cavalo selvagem, não se apazigua uma tempestade e não se extingue o fogo voraz (...).

Eu posso tentar. Por ti, posso.
Se quiseres.»


E é dentro desta linhagem que me identifico, sinto-me cheio, preenchido. Cheiro a quem é feliz e brilho como se fosse a estrela principal de uma comédia romântica. E ao mesmo tempo sinto-me leve, como se de um salto só conseguisse chegar ao céu e saboreasse as núvens com a ponta dos meus dedos. E ainda assim, totalmente livre.
E isto deve-se a ti. Obrigado, C.

domingo, março 26, 2006

Já não sei o que dizer. A amargura apanhou-me as mãos em água e em vida. As mãos vão contra os olhos. Mexem. Mentem sempre. Quando me sentam na mesma mesa onde estivémos sentados, parto a loiça toda e como e bebo pelos dois. Deve ser esta a minha timidez e esta a minha cobardia, que só quando estou longe me vem o coração às mãos e tenho vontade de to oferecer, sem medo que o possas aceitar, tal era o mal que te fazia. Nunca vi um céu tão bonito nem tanto sossego, enquanto acabo o meu café no meio da cidade quase vazia, a não correr para apanhar o correio que já sei que não vou apanhar, sem saber que mais dizer-te, porque a minha alma está sempre a interromper-te, a chamar por ti. Quanto mais longe, mais perto me sinto de ti, como se os teus passos estivessem aqui ao pé de mim e eu pudesse seguir-te e falar-te e dizer-te quanto te amo e como te procuro, no meio duma destas ruas em que te vejo, zangado de saudade, no céu claro, no dia frio. Devolve-me a minha vida e o meu tempo. Diz qualquer coisa a este coração palerma que não sabe nada de nada, que julga que andas aqui perto e chama sem parar por ti.

Miguel Esteves Cardoso in O amor é fodido

terça-feira, março 14, 2006

.vertigem

.rumo


.cegueira


tens de aprender a viver na curva do outro. a permanecer. a entrelaçar. a criar o nó(s).